Doença do Disco Intervertebral
O que é um disco intervertebral?
A maioria das pessoas tem conhecimento que a coluna vertebral não é apenas um osso único e tubular. A coluna vertebral é na verdade feita por pequenos ossos, chamados de vertebras que rodeiam e protegem a medula. Essas vértebras que compõem a coluna vertebral permitem a flexibilidade da coluna vertebral, estando ligadas entre si por discos intervertebrais.
O disco serve como um amortecedor entre os corpos vertebrais das vertebras. Este disco consiste numa camada exterior fibrosa (chamada de anel fibroso), um interior de consistência gelatinosa (o núcleo pulposo) e umas estruturas cartilagíneas que permitem que o disco esteja aderido às vertebras. Os ligamentos percorrem os discos em posição dorsal e ventral a estas, sendo o ligamento dorsal particularmente rico em nervos sensitivos. Estes ligamentos são denominados de ligamentos longitudinal dorsal e ventral.
Existem sete vertebras cervicais (pescoço), 13 torácicas, sete vertebras lombares, três vertebras na região do sacro (que se encontram fundidas) e um número variável de vertebras na cauda.
Doenças do disco intervertebral Tipo I e Tipo II
Existem dois tipos de doenças que podem afetar os discos intervertebrais, que como consequência causa uma pressão dolorosa do disco na medula: Doença de Disco Hansen tipo I e Doença de Disco Hansen tipo II. No Tipo I, o núcleo pulposo torna-se calcificado (devido a processo de mineralização). Um movimento brusco do animal, ou mesmo de forma espontânea, ocorre um deslocamento deste disco, agora com consistência rochosa, para fora do anel fibroso. Se o disco se desloca para cima, ele vai pressionar o ligamento longitudinal provocando imensa dor e possivelmente causar compressão da medula posteriormente.
A Doença de Disco Tipo II
A Doença de Disco Tipo II é um processo degenerativo muito mais lento. Neste caso o anel fibroso sofre um colapso e desloca-se dorsalmente criando um problema mais crónico causando dor e compressão da medula.
O processo no qual o material do disco pressiona o ligamento dorsal e a medula é chamado de hérnia discal.
- Os locais mais comuns de hérnia discal são T11-T12 (entre a 11ª e 12ª vértebra torácica) e L2-L3 (entre a 2ª e 3ª vértebra lombar).
- A herniação a nível cervical ocorre em 15% dos pacientes com hérnia discal, sendo 80 % destes pacientes Daschhunds, Beagles ou Poodles.
- C2-C3 (entre a 2ª e 3ª vértebra cervical) é o local mais comum de herniação discal no pescoço.
A área afetada pelo disco no pescoço ou zona toracolombar apresenta-se dolorosa para o animal, ao passo que muitos processos degenerativos não são dolorosos. Em casos que não apresentem grande gravidade, a dor ao nível do local do disco é o único sintoma. Há medida que a inflamação aumenta, começam a manifestar-se défices a nível neurológico. As hérnias discais tendem a ter maior dor do que propriamente disfunção a nível neurológico.
A primeira função a ser comprometida é o que se designa por propriocepção consciente. Este conceito refere-se à capacidade do animal de perceber onde estão os membros e orientá-los de forma adequada. O médico vai dobrar a pata do animal, tocando a porção dorsal desta no solo, e posteriormente será avaliada a capacidade de o animal colocar a pata na posição correta. Cães com baixa propriocepção irão arrastar a pata, falhar ocasionalmente o reposicionamento da pata ao andar, ou inclusivamente cair sobre esse mesmo membro. Os nervos responsáveis pelo processo de propriocepção consciente estão localizados na periferia da medula, sendo que quando o disco sofre herniação, são os primeiros a sofrer pressão.
Depois destes nervos da propriocepção consciente serem afetados, seguem-se os nervos de movimento voluntário (incluindo o controlo voluntário da defecação/urina), os nervos de perceção de dor superficial e em último os nervos de processos dolorosos profundos (geralmente testado aplicando um beliscar entre os dedos do animal).
Hérnia de Disco Hansen Tipo I
Como mencionado anteriormente, neste tipo de hérnia o núcleo pulposo fica desidratado e mineralizado. O disco perde as propriedades gelatinosas responsáveis pelo amortecimento e subitamente exterioriza-se, deslocando-se diretamente para medula e os ligamentos circundantes. A vítima clássica é um cão adulto de raça pequena e membros curtos, embora qualquer cão possa ser afetado. O dano na espinhal medula pode ir de uma ligeira inflamação até destruição total desta.
Hérnia de Disco Hansen Tipo II
Neste caso a degeneração é mais lenta e as fibras do anel fibroso começam a perder rigidez. À medida que o disco é comprimido pelas forças normais das vertebras, o anel fibroso começa a formar uma protuberância dorsalmente e colocar pressão na medula mais lentamente. A vítima clássica é um cão geriátrico de grande porte. Os pastores alemães aparentam ser predispostos a este tipo de lesão.
Diagnóstico
Quando nos é apresentado um paciente com fraqueza ao nível da sua motricidade é essencial determinar se o problema advém de uma compressão da medula. Este tipo de identificação revela-se importante pois as lesões compressivas podem beneficiar da cirurgia, ao passo que lesões degenerativas não. Uma lesão compressiva da medula não tem necessariamente de ser uma herniação de disco; esta pode ser uma fratura vertebral ou deslocamento, um tumor ou uma infeção de disco. Uma lesão não compressiva não irá beneficiar de cirurgia. Este tipo de lesões incluem a doença degenerativa, infeção espinhal ou inflamação, lesões por desmielinização ou embolismos fibrocartilaginosos.
Passo 1: Exame Neurológico
Ao testar os diferentes reflexos, o médico pode localizar a região da medula que está afetada. Esta pode ser a região cervical (pescoço), a região toracolombar, a região lombar ou região sacral (onde se inicia a cauda). A região torácica da medula esta está mais protegida de doenças de disco pois os ligamentos que fazem união das costelas à coluna fornecem uma proteção extra à medula.
Passo 2: Radiografias
Ao passo que tecnologias de imagiologia como a ressonância magnética (RM) ou tomografia axial computorizada (TAC) não estão disponíveis em todos os hospitais veterinários, a radiografia está disponível. Este último meio é relativamente barato em comparação com os outros dois primeiros métodos de imagiologia mencionados. O primeiro passo é assim a radiografia para descartar lesões óbvias ao nível da medula. A fratura de vértebras ou deslocamentos são geralmente óbvias. A calcificação de discos ou o colapso do espaço entre vértebras é geralmente observado e pode aumentar o nível de suspeita de hérnia discal.
Passo 3: Imagiologia Avançada
Se a cirurgia é algo a ponderar, é necessário então identificar com exatidão o espaço intervertebral afetado para o cirurgião saber onde intervir. A mielografia é classicamente usada para esse passo. A mielografia requer a anestesia geral e a injeção de um contraste à base de iodo à volta da medula. Na imagem contrastada pode ser vista uma região estreitada no local de compressão da medula óssea identificando-se a área de compressão deste modo em 85-95% dos casos. O paciente pode eventualmente ir de seguida para cirurgia sem acordar da anestesia. Regra geral, não há necessidade de efetuar este processo de localização exata da lesão compressiva a menos que cirurgia seja algo a ser fortemente considerado.
À medida que o TAC se torna cada vez mais acessível, um scan com recurso a esta técnica imagiológica é efetuado em detrimento do mielograma. O TAC fornece uma imagem mais nítida da herniação de disco e a sua localização, assim como se há mais que um disco envolvido.
Tratamento
Uma vez confirmado que o paciente possui uma doença do disco, deve ser tomada uma decisão se o animal é candidato a cirurgia. Existe um conjunto de regras que são aplicáveis para tomar esta decisão:
- Se o cão não consegue andar, a cirurgia oferece uma melhor hipótese de recuperação.
- Se o cão consegue andar, o tratamento médico (não-cirúrgico) é uma escolha mais adequada, mas esta escolha depende do estado de dor em que o animal se encontra.
- Quanto mais longa é a duração dos défices neurológicos, os resultados do tratamento cirúrgico são em regra inferiores.
- Se o cão não consegue andar e dor profunda está presente nos membros, há uma percentagem de recuperação com sucesso 83-90% através do procedimento cirúrgico.
- Se o cão está incapaz de andar, não possui dor profunda ao nível dos membros e se encontra afetado menos de 48 horas, o sucesso da cirurgia desce para 50%. Depois de 48 horas nesta situação o prognóstico agrava-se e a vantagem de uma possível cirurgia diminui consideravelmente.
- Se o cão não consegue andar, o uso de tratamento médico pode mesmo assim ter sucesso, embora haja maior probabilidade de sucesso através de cirurgia.
PERDER A CAPACIDADE DE ANDAR É UMA EMERGÊNCIA!
Tratamento médico/conservativo (Não cirúrgico)
Seria fantástico se existisse uma medicação que pudesse aliviar a dor e inflamação ao nível da medula, mas infelizmente as medicações nestes caos são de importância secundária. Ao passo que a medicação pode ser usada para auxiliar a recuperação, a importância central do tratamento não cirúrgico centra-se no local que permita a restrição de movimentos do animal. Esse local pode ser uma jaula. Mas esta restrição pode ser complicada, uma vez que o cão tipicamente não quer ser isolado e pode chorar ou ficar mais agitado. Um cão pode ser passeado ou carregado ao exterior para urinar e defecar, mas deve seguidamente voltar imediatamente para o seu lugar de restrição.
Três semanas na jaula é o tempo de repouso normalmente aconselhado. Depois deste tempo, o paciente pode ter 2 a 3 semanas até gradualmente recuperar a sua atividade normal.
As medições servem de auxílio à restrição de movimentos. Esteroides, anti-inflamatórios não esteroides, relaxantes musculares, analgésicos são comumente prescritos. Frequentemente, o paciente é hospitalizado na primeira semana, de modo que a restrição de movimentos seja acompanhada por medicações injetáveis e o progresso seja monitorizado. Packs com gelo aplicados 10 a 15 minutos (com algum tipo de tecido grosso entre o pack de gelo e o cão) são úteis para aliviar a inflamação. Durante os primeiros 3 a 5 dias de episódios agudos, o gelo deve ser colocado o maior número de vez possível, fazendo-se no mínimo 3 aplicações diárias de gelo durante todo o período de restrição ou desde que se verifique sinais de dor.
TERAPIAS ATRAVÉS DE EXERCICIOS FÍSICOS QUE SÃO ÚTEIS DURANTE AS PRIMEIRAS 3 A 4 SEMANAS DE RESTRIÇÃO
- Massajar a região afetada gentilmente de modo a promover a circulação sanguínea local. Isto é feito o maior número de vezes possível durante os primeiros 3 a 5 dias e depois deve diminuir-se para 3 vezes ao dia.
- Deve ser feito um inputsensorial na região caudal à lesão. Isto é feito através de cócegas e beliscões nos dedos. Deste modo um reflexo de resposta é solicitado, sendo a ideia tornar o animal a ter consciência das suas patas.
Cirurgia
Diversos procedimentos podem ser executados de modo a descomprimir a medula e remover o material do disco intervertebral. Os procedimentos são inúmeros sendo os mais comumente falados: hemilaminectomia, pediculectumia, laminectomia dorsal, ventral slot e fenestração.
Hemilaminectomia
Consiste no procedimento usado com mais frequência em hérnias discais da região toracolombar. Nesta cirurgia as facetas articulares (onde as duas vértebras estabelecem contacto) são removidas, assim como o osso vertebral adjacente à medula. Este procedimento pode ser feito com segurança até cerca de 5 espaços de discos adjacentes.
Hemilaminectomia dorsal
Este é provavelmente o procedimento mais invasivo de todos e envolve a descompressão da espinhal medula pelo topo em vez de descompressão ventral. Pode ser apenas executado em um espaço de disco e envolve a remoção do processo espinhoso dorsal e da lâmina da vértebra para que haja espaço para a espinhal medula comprimida.
Ventral Slot
Este procedimento destina-se a hérnias ao nível do pescoço. Aqui um espaço é perfurado nos corpos vertebrais dos ossos em cada lado do disco criando uma pequena janela no espaço intervertebral. Os discos mineralizados podem ser removidos e, uma vez que a janela inclui um osso adjacente, existe espaço para a medula afetada poder descomprimir.
Fenestração
Esta é uma cirurgia preventiva feita com frequência nos espaços discais próximos do local herniado. Envolve fazer um corte sobre o anel fibroso e remoção de núcleo pulposo mineralizado. Para alguns pacientes, este é a única cirurgia necessária, mas não é uma verdadeira cirurgia descompressiva. A capacidade que a fenestração tem em reduzir verdadeiramente a capacidade de recorrências é ainda um assunto controverso.
Recuperação após cirurgia
O objetivo é recuperar a qualidade de vida do animal. Na maioria dos casos isto implica a recuperação da capacidade de andar. O tempo que o animal demora a tornar a andar após a cirurgia está altamente dependente do quão elevado era a disfunção do cão anteriormente à cirurgia. Pacientes com controlo motor voluntário recuperam a capacidade de andar após 2 semanas ao passo que os que estão com dores profundas e não têm controlo motor podem necessitar de 4 semanas. Cuidados a nível da enfermagem para um cão que não consegue andar podem ser intensos, incluindo o esvaziamento da bexiga, manter o paciente deitado e fazendo terapia através de exercícios físicos. O cliente deve consultar o cirurgião de modo a obter informação sobre quais os exercícios (dos listados acima) que são mais indicados para o caso do seu cão.
Quando não é expectável o cão andar
Tomar conta de um cão cujos membros posteriores não são recuperáveis é algo que nem todos os donos conseguem comprometer-se. Mesmo assim, isso pode ser feito e para o cão certo e pessoa certa torna-se uma experiência altamente recompensadora. Um grande progresso pode ser alcançado utilizando fisioterapia como os descritos acima e além disso existe uma gama de produtos disponíveis para assistência do animal imóvel.
André Pereira, MV
Carlos Adrega, MV
Nuno Beça, MV