O que é a epilepsia?

A epilepsia é uma doença crónica do sistema nervoso central que se caracteriza pela presença de atividade elétrica anormal das células nervosas cerebrais causando convulsões. Estas envolvem alterações motoras, alterações do sistema nervoso autónomo e comportamentais. Os ataques epiléticos são geralmente breves (em muitos casos duram menos que 2-3 minutos). 

A prevalência desta doença na população canina foi estimada entre 0.65% a 0,75%. Existem raças predispostas e cuja prevalência é superior. Estudos epidemiológicos efetuados em raças como o Labrador Retriever, Pastor Belga, Petite Basset Griffon e estudos de pedigree de raças como o Boxer, Caniche, Border Collie entre outras, evidenciaram a existência de epilepsia hereditária.

Fenótipo das convulsões (fases da atividade epilética e como reconhecê-las)

Existem 4 fases da atividade epilética que se tornam vitais de reconhecer quando tentamos diferenciar eventos convulsivos de outros eventos episódicos como síncopes ou fraqueza neuromuscular. Estas 4 fases são:

  • Pródromos: são fenómenos comportamentais que precedem o evento convulsivo em horas ou dias. Os animais podem esconder-se, manifestar comportamentos de medo ou agitação.
  • Aura: sensação subjetiva que marca o início de uma convulsão. Pode durar minutos a horas e podem consistir em sinais como vómito, micção inapropriada ou salivação excessiva. Podem também apresentar alterações de comportamento como ladrar excessivo ou procura de atenção do dono e apresentar comportamentos obsessivos de caminhar ou lamber. 
  • Ictus: o evento convulsivo propriamente dito
  • Pós-ictus: comportamentos atípicos que ocorrem após a convulsão, como por exemplo agressividade, agitação, delírio, letargia, perda de visão, sede, fome e micção inapropriada. Pode durar horas. É importante saber distinguir este período pois permite diferenciar de outros episódios paroxísticos como narcolepsia/cataplexia, colapso neuromuscular e desordens do movimento. 

Etiologia (Causas)

Existem várias patologias que provocam convulsões nos cães.

Epilepsia idiopática, subclassificada em 3 subgrupos: epilepsia idiopática (genética), epilepsia idiopática (suspeita de origem genética), epilepsia idiopática (causa desconhecida). 

A epilepsia idiopática normalmente tem o seu primeiro episódio em cães dos 6 meses aos 6 anos de idade e o seu diagnóstico é realizado através da exclusão de doença reativa ou estrutural. Normalmente caracteriza-se pela ocorrência de pelo menos dois episódios convulsivos com mais de 24 horas de intervalo e pela ausência de alterações neurológicas no periodo inter-ictal (período de tempo entre convulsões). 

Epilepsia estrutural- neste caso as convulsões são provocadas por patologias intracranianas/ cerebrais incluindo do tipo vascular (hemorragia, obstrução de vaso sanguíneo), inflamatório, infecioso, traumático, anomalia/congénito, neoplásico e degenerativo. Para além destas causas, existem alterações metabólicas cerebrais que podem levar a degeneração neuronal e alterações estruturais.

Convulsões reativas- Ocorrem em resposta a alterações temporárias secundárias a tóxicos (metaldeído, organofosforados, carbamatos entre outros, presentes em pesticidas) ou a alterações metabólicas que podem ser revertidas se a causa primária for tratada (por exemplo por hipoglicémias, encefalopatia hepática em animais com shunts portossistémicos, hipocalcémia entre outros). 

Tipos de convulsões

Classificação semiológica dos eventos epiléticos: 

  • Convulsões epileptogénicas focais: são caracterizadas por lateralização ou regionalização dos sinais clínicos (motores, autonómicos ou comportamentais sozinhos ou em combinação entre eles). A apresentação deste tipo de ataques vai depender da zona do córtex cerebral em que se inicia a atividade elétrica anormal. Podem apresentar-se como tremores, fasciculações, contrações musculares, sinais sistema nervoso autónomo (vómitos, salivação, pupilas dilatadas), alterações comportamento normal do cão (ansiedade, medo, agressividade, procura por atenção do dono).
  • Convulsões epileptogénicas generalizadas: envolvimento de ambos os hemisférios cerebrais levando a movimentos involuntários de ambos os lados do corpo. Podem iniciar por convulsão focal e progredir para convulsão generalizada. Normalmente há perda de consciência e podem urinar, defecar e salivar durante o evento. Em cães e gatos este tipo de convulsões pode apresentar-se de forma tónica, clónica, tónico-clónica ou mioclónica.

o Tónica: aumento do tónus muscular (rigidez) que pode durar de segundos a minutos

o Clónica: contrações musculares rítmicas, rápidas e involuntárias

o Tónico-clónicas: sequência de fase tónica seguida de fase clónica.

o Mioclónica: contrações de um grupo de músculos em ambos os lados do corpo

o Atónicas: perda súbita de tónus muscular que leva ao colapso.

Como se efetua o diagnóstico?

Critérios para o diagnóstico de epilepsia idiopática

  1. Estabelecer se os eventos que ocorreram no animal correspondem a convulsões epiléticas ou se correspondem a outro tipo de episódio paroxístico. Sempre que possível o proprietário deve obter uma gravação dos episódios, pois ajudará o clínico a esclarecer a natureza do evento. A história, o exame clínico e o exame neurológico podem ajudar a identificar anormalidades que estejam relacionadas com o evento.
  2. Exclusão de epilepsia estrutural ou reativa. Podem ocorrer convulsões do tipo reativo, ou seja, secundarias a problemas metabólicos sistémicos e por intoxicações. A história e o exame clínico do animal podem levantar a suspeita de causa reativa. Deverão ser realizadas análises sanguíneas de forma a diagnosticar uma eventual patologia subjacente. Se não houver conhecimento da ingestão ou do acesso a determinados tóxicos, o reconhecimento de uma intoxicação poderá ser difícil. Um estudo demonstrou que cães com convulsões reativas causadas por tóxicos têm um risco significativamente superior (cerca de 2.7 vezes) de desenvolver status epilepticus (uma convulsão generalizada com duração superior a 5 minutos ou duas ou mais convulsões generalizadas em que o paciente não recupera a consciência entre estas) do que cães com epilepsia idiopática ou estrutural. Muitas vezes são acompanhadas por sinais clínicos gastrointestinais, cardiovasculares ou respiratórios. 

Cães com sinais neurológicos inter-ictais tem 16.5 vezes maior probabilidade de ter uma lesão estrutural assimétrica e 12.5 vezes maior probabilidade de ter uma lesão simétrica do que cães com epilepsia idiopática. No entanto uma avaliação neurológica normal entre convulsões não exclui patologia estrutural. 

O diagnóstico de patologia cerebral estrutural é realizado através de exames de imagiologia avançada (tomografia computorizada, ressonância magnética), através da análise de líquido cefalorraquidiano (LCR) e pesquisa de agentes infeciosos.  

Quais as opções de tratamento na epilepsia idiopática?

O objetivo da introdução de fármacos antiepiléticos na epilepsia idiopática é reduzir a frequência e a severidade dos ataques. Esta medicação deve ser introduzida quando:

  • Período inter-ictal inferior ou igual a 6 meses (2 ou mais convulsões num período de 6 meses)
  • Se os sinais no período pós-ictal (após a convulsão), são graves (por exemplo agressividade, cegueira) e duram mais de 24 horas.
  • Se a duração da convulsão, a sua frequência ou severidade tem aumentado nos últimos 3 períodos inter-ictais (4 convulsões).

Os fármacos antiepiléticos de primeira linha são o fenobarbital e a imepitoína (Pexion).  Existem também outros fármacos que podem ser adicionados quando os fármacos de primeira linha por si só não controlam a frequência dos ataques. Estes são o brometo de potássio, o levetiracetam entre outros. Deverá também ter sempre em casa uma solução de diazepam para administração rectal que deve ser aplicado com vista a cessar uma convulsão.

O tratamento da epilepsia pode ser considerado bem-sucedido se a medicação reduzir a frequência dos ataques pelo menos para metade.

Existem alguns efeitos secundários que surgem com a administração de fármacos antiepiléticos. 

Com o Fenobarbital os efeitos secundários são dependentes da dose e são mais expressivos no primeiro mês de tratamento e quando se efetua um incremento da dose. No entanto estes tendem a diminuir nas semanas seguintes pois existe desenvolvimento de tolerância farmacocinética e farmacodinâmica.

Estes incluem sedação, ataxia (marcha descoordenada), aumento do apetite, polidipsia (aumento da ingestão de água) e poliúria (aumento da micção). Existem outros efeitos secundários menos comuns que incluem toxicidade hepática, alterações hematológicas (anemia, trombocitopénia, neutropénia), dermatite superficial necrolítica, risco potencial de pancreatite, disquinésia (movimentos involuntários corporais), ansiedade e hipoalbuminémia. Muitas destas reações são reversíveis ao descontinuar a medicação.

Devido à variabilidade da farmacocinética (etapas que ocorrem desde a administração até à excreção do fármaco) do fenobarbital é necessário medir a sua concentração sérica 14 dias após o início da terapia ou quando existe uma alteração na dose. Após controlo das convulsões esta medicação deve ser efetuada 6 semanas após e depois a cada 3-6 meses, ou posteriormente a cada 12 meses na ausência de convulsões. Também devem ser incluídas análises bioquímicas e hematologia nesses controlos. 

A Imepitoína é um fármaco que foi autorizado na Europa, em 2013, para o tratamento da epilepsia canina. É um fármaco muito bem tolerado mesmo a doses altas e cujos efeitos secundários são menos expressivos do que os do fenobarbital e não provoca indução das enzimas hepáticas. No entanto ainda não existem estudos suficientes que comprovem a sua eficácia em clusters (duas ou mais convulsões em menos de 24 horas com recuperação entre elas) ou em status epilepticus, estando, portanto, neste momento indicado no tratamento de convulsões isoladas generalizadas. Não está indicada a medição sérica deste fármaco, no entanto recomenda-se análises sanguíneas gerais a cada seis-doze meses.

O Brometo de potássio é usado normalmente como terapia adjuvante. Em conjunto com o fenobarbital mostrou um efeito sinergístico e um melhor controlo das convulsões. Não é metabolizado no fígado sendo uma boa alternativa para animais com disfunção hepática. Os efeitos secundários são semelhantes ao fenobarbital, no entanto também podem ocorrer alterações gastrointestinais que podem ser minimizadas se administrar este fármaco com comida. Existem também efeitos secundários idiossincráticos que incluem alterações comportamentais (agressividade, hiperatividade), tosse persistente, aumento do risco de pancreatite e megaesófago. 

O brometo de potássio tem uma longa semivida, demorando assim cerca de 3 meses até atingir uma concentração sérica estável. Por isso deve-se efetuar medições séricas 3 meses após início ou alteração da dose e a cada seis meses após ou a cada doze se não ocorrerem convulsões.

O Levetiracetam é um fármaco que é usado como adjuvante no tratamento da epilepsia canina. Estudos retrospetivos demonstraram que é um fármaco bem tolerado e que diminui a frequência de convulsões em cães com epilepsia idiopática. Também pode ser usado em terapia pulsátil em caso de clusters, ou seja, pode se administrado em doses mais altas e durante um curto espaço de tempo até que haja ausência de convulsões durante 48 horas. Tem um modo de ação diferente de outros fármacos o que o torna interessante quando se instituiu uma terapia com vários fármacos. Os efeitos secundários são normalmente ligeiros e incluem sedação, diminuição do apetite, vómitos e ataxia.

O que fazer se o seu animal tiver uma convulsão?

  • Fique calmo. Na maioria das vezes são episódios breves (1-2 minutos).
  • Certifique-se que o seu animal não se magoa. Mova mobiliário se necessário.
  • Não administre nada por via oral, nem coloque as suas mãos próximas da boca do animal
  • Administre diazepam por via rectal assim que possível
  • Tente contar o tempo de duração da convulsão.
  • Contacte-nos de imediato se:
  • o a convulsão tiver uma duração superior a 5 minutos
  • o se o seu animal apresentar dificuldades respiratórias
  • o se tiver mais de 2 convulsões em 24 horas.
  • É muitas vezes necessário hospitalizar o paciente com vista a monitorizar e a controlar devidamente as convulsões.

 

Joana Cardoso, MV

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